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O sete43

Por Moacyr Gramacho e Naia Alban

Antes mesmo do escritório...

Levamos, na viagem para a Espanha, uma vontade de potencializar as experiências vividas com pequenas obras de arquitetura, organizações coletivas de pesquisa e desenvolvimento de projetos e de outras produções artísticas, estimuladas pelo processo criativo do fazer arquitetônico, experimentado na graduação. Nossa passagem pela Faculdade de Arquitetura – e estamos falando dos anos 80 – ficou marcada por uma vivência da falta de estrutura da educação brasileira, que brigava para sobreviver, e pela companhia de professores que amavam a arquitetura e a cultura brasileira.

Na volta, a Europa trazida na bagagem refletia e ampliava o conhecimento sobre o Brasil. A distância aguçou a percepção de nós mesmos, e, através do poder da nossa produção nas áreas da música, da literatura, do cinema, que nos chegava, de forma perturbadora, nos deixamos levar pela penetração destas criações no Velho Mundo. A experiência de entender-se latino-americano, através da convivência com uma comunidade de hispano-americanos, que se apresentava estrangeira e próxima, também marcará essa passagem. Vizinhos tão próximos e, até então desconhecidos pela realidade, naquele momento, da cultura brasileira vivida na Bahia.

Olhar para a produção do Sete43 Arquitetura, hoje (2020), faz pensar em que base o escritório se constituiu. Nós, um jovem casal de arquitetos, estávamos ávidos por projetar e construir. Recém-chegados da Espanha, trazíamos a anunciada discussão pós-moderna da arquitetura – desconstrução, tardo-moderno, high tech, niilismo – que ainda não ecoava na Bahia, e que seguia sustentada acriticamente no modernismo. Tínhamos os grafites urbanos de Fernando Peixoto. Entretanto, o movimento mundial já começava a sinalizar para o afunilamento de grandes escritórios de assinatura, com suas obras espetaculares. Uma arquitetura isenta ao território. Uma arquitetura invólucro e espetacular.

Na Europa, especificamente na Espanha, pesava a sua larga história construída e superposta que amarrava a lógica do projetar. Um peso que percebíamos que não nos pertencia, pois tínhamos o descomprometimento de um país jovem, país que tinha amarrado sua identidade nacional na expressão da “arquitetura moderna à brasileira”. (Isso, só fomos compreender algum tempo depois). Também na Espanha, começamos a compreender a razão da existência de um Colégio de Arquitetos – uma associação que deveria ser equivalente ao nosso destorcido Sistema CONFEA/CREAS – e sua forte relação com a comunidade de arquitetos espanhóis.

O rigor do fazer arquitetônico estava presente, pois as responsabilidades técnicas, seja nos âmbitos dos espaços, das estruturas (dependendo da escala) ou das especificações dos materiais, eram cobradas. O distanciamento dos processos artesanais e tradicionais de construção e o enaltecimento da profissão do arquiteto nos impressionava muito. Realidade que não era a nossa.

Estamos falando do início dos anos 90. Em Salvador, a maioria do que se construía era o resultado de projetos assinados por profissionais liberais, que atuavam no mercado em parceria com as empreiteiras, revisitando a cartilha modernista. Poucos escritórios   empreendiam. E, assim... Começamos.

Iniciar a carreira de arquiteto com a premiação do 3º Lugar no [Concurso Público Nacional de Ideias para Urbanização do Parque do Aeroclube], em 1992, foi um estímulo. À esta experiência, somou-se o projeto e obra do [Albergue das Laranjeiras], e se as decisões, tanto de projeto como orçamentárias, e de contratação da mão de obra, estão sob o seu controle, é como ganhar na loteria. (Isso porque queríamos colocar a mão na massa!) Fomos para dentro da obra e aprendemos muito.

Nos aproximamos do fazer arquitetônico... Fazendo. Com Seu Sparlak, Sardão, Cabeça, Sergipe, Sabão, Tozinho, Zezinho, Índio, Nego, Seu Antônio, Bobô, Seu Damião, Agnaldo, Seu Vavá, André, Antônio, Jacinto, Sergio, Carlos, Seu Almiro... Mestres e práticos que, muitas vezes sem saber ler os desenhos, executavam tudo através das explicações. Como resultado desse processo, tínhamos, quase sempre, soluções híbridas entre os desenhos e a prática do fazer. O albergue foi nosso grande aprendizado, que se tornou nossa vitrine arquitetônica. Com esta vitrine, fizemos a [Casa Ponte] e a [Casa Muro].

A arquitetura que praticávamos não estava vinculada a nenhuma estética proferida pelas várias correntes da pós-modernidade. Namorávamos, líamos muito e fazíamos boas discussões e incursões sobre o rumo da arquitetura que nos era apresentado pelas revistas especializadas, nacional e internacional.

Na época, havia uma sensação de distanciamento do mundo estrelar da arquitetura.  Pinçávamos algumas ideias. E, desse caldeirão, a depender do projeto, da sugestão do lugar e, até mesmo, do cliente, incorporávamos o que nos parecia interessante, sem o radicalismo teórico. A nossa tecnologia artesanal, muitas vezes, nos limitava, por se tratar de obras em pequena escala (residências). E, nos casos de uma média escala, nas obras públicas, os orçamentos exíguos não viabilizavam esses voos arquitetônicos.

O que fazer quando um cliente diz que ganhou 20 caçambas de pedra calcária e que esse será o material de base para a construção da sua casa? [Casa Muro] Lógicas inversas do modus operandi da velha Europa apaziguada pela formalização dos processos. (Mas isso, só fomos aprendendo ao longo do tempo).

Projetar é apaixonante ... E construir é selar o casamento com a arquitetura!

Muitas vezes, não havia tempo para a formalização dos desenhos, até porque a maioria dos mestres não lia as plantas. Assim, muitos dos croquis nasceram diretamente nas paredes iniciais da obra, em uma sinergia com os mestres. Talvez por isso, até mesmo a maquete e o croqui (feito à mão), tornaram-se métodos projetuais do escritório.

A construção de maquetes era um processo de estudo volumétrico e não a expressão finalizada do projeto. Esse método foi tão exaustivamente usado pelo SETE43 que, muitas vezes, o desenho final era uma cópia do que se havia alcançado na maquete, pois as mudanças eram anteriormente experimentadas na escala reduzida, e, somente depois, desenhadas. Um bom exemplo foi a [Praça Turca], onde o fluxo de ideias foi: visita ao local com o engenheiro e o empreiteiro, croqui, maquetes e desenhos, enquanto a obra já havia começado, o que resultou na simplificação dos detalhes.

Nesse contexto, cada vez mais nos aproximávamos do fazer artesanal, ao contrário de alguns escritórios de amigos, que perseguiam o industrial. Estávamos alimentados por isso. Criamos nossos mundos paralelos de sobrevivência criativa e, principalmente, financeira. Por um lado, Moacyr Gramacho, a cada dia, se aproximava mais do figurino, da cenografia [Amor e Loucura], da expografia [Abelardo Rodrigues] e da direção de arte, enquanto Naia Alban publicava artigos críticos [Aeroclube, de parque público a shopping efêmero], por exemplo, dentre textos e projetos afins, e se aproximava da Academia.

Assim, nesse lugar mais alargado da arquitetura, conseguíamos escolher os projetos que queríamos fazer – e manter uma estrutura não formalizada – com baixos custos. Nossa alta espiritualidade e baixa exigência financeira equilibrou o escritório durante um longo tempo.

 

Hoje, percebemos como foi enriquecedor ampliar este lugar de atuação do arquiteto para a nossa arquitetura. A experimentação e a temporalidade do fazer cenográfico de Moacyr Gramacho, que, frequentemente, envolvia o escritório – seja no desenvolvimento do projeto ou na produção executiva – enriquecia os nossos projetos arquitetônicos com a experimentação de novas materialidades, que se somavam aos processos artesanais de execução, cada vez mais explorados.

Por outro lado, os textos críticos de Naia Alban e a sua própria atuação na Academia localizavam e estimulavam o debate crítico sobre a nossa produção. Um debate constante, que envolvia a participação de todos do escritório e de muitos convidados externos.

Grandes projetos [Juazeiro Verde] e [Feira de São Joaquim] iriam sinalizar para a necessidade de formalização da atuação profissional. Novos sócios, outras responsabilidades.  Quando mudamos a escala de produção, e buscamos a formalização da pessoa jurídica, passamos a ter necessidade de um volume de projetos para alimentar este novo patamar. Já não podíamos escolher tanto, apesar do período anterior ter registrado e garantido um reconhecimento de nossa produção, que, naturalmente, atraia identificações.

Achávamos que o SETE43 já tinha pernas próprias. E os movimentos da vida de seus sócios foram ganhando outro rumo. Cada um com seus desejos e circunstâncias, estruturando realidades financeiras mais sólidas para além da experimentada no escritório.

Em 2002, Naia Alban passou a só participar das discussões projetuais, deixando de assumir o setor administrativo e a responsabilidade técnica dos projetos. Nesta época, ela começou a atuar como professora efetiva da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia - FAUFBA. Depois, em 2007, Moacyr Gramacho sai do escritório para assumir a Direção do Teatro Castro Alves, onde permanece até hoje, dedicando-se, em paralelo, à Direção de Arte para Cinema, e a pequenos projetos de arquitetura e pintura (#moacyrperes).

Zilton Cavalcanti [2005-2008] queria ver seu filho crescer... E foi morar em Aracaju, onde possui um ativo escritório [#organumarquitetura], coordena o Curso de Arquitetura na FANESI-SE.

Yoanny Calvo [2005-2011] trabalha à frente da YC Arquitetura & Consultoria (#yc_arquitetura_consultoria).

Sergio Alencar [2005-20012], hoje, tem uma firma de projeto e construção, a HUMA Engenharia [www.humaengenharia.com.br].

Quando Naia Alban assumiu a Direção da FAUFBA, no período de 2011 a 2019, a casa foi arrumada e fechamos o SETE43 Arquitetura.

Todos que passaram deixaram umas ideias e levaram outras...

O SETE43 reverbera de tempos em tempos!

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